sábado, 9 de outubro de 2010

"Cidade, EM 25 ANOS - Pastoral ajuda a diminuir a mortalidade infantil

Para a coordenadora da Pastoral no CE, atuação é gratificante.
FOTO: WALESCA SANTIAGO

No Ceará, a Pastoral acompanha 65 mil crianças pobres de zero a seis anos em 155 municípios.

Para que todas as crianças tenham vida e vida em abundância. Com esse lema nascia no Ceará, há 25 anos, a Pastoral da Criança, que logo estenderia seu trabalho preventivo às gestantes e, mais adiante, às famílias dos mais necessitados. No estado, como em outros lugares do País, não tardou a colocar o "dedo na ferida" em duas das maiores chagas de nossa sociedade: a desnutrição e a mortalidade infantis.

Mas além de conscientizar as famílias sobre a melhor forma de alimentar suas crianças, o trabalho da Pastoral incluiu orientações sobre doenças mais comuns na primeira infância e vacinação, uma vez que o público-alvo está na faixa etária de zero a seis anos de idade. Também as gestantes recebem especial atenção dos líderes da Pastoral, pessoas residentes nas comunidades e voluntárias na promoção das atividades desenvolvidas, que vão desde as campanhas de aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida às visitas domiciliares, visando até mesmo reduzir maus-tratos na infância.

Segundo Marister Guimarães, que há cinco anos coordena a instituição no Ceará, em 1985 a cada mil nascidos vivo no estado 120 morriam. Hoje, esse número caiu para 6,9 nas áreas assistidas pela Pastoral. Já a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), através de sua assessoria de imprensa, informa que o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) só entrou em operação em 1995. Porém, estudo do Ministério da Saúde aponta que no Brasil há 25 anos a taxa de mortalidade infantil foi de 55.0 e no Nordeste de 81.6 em igual período. Enquanto isso, a TMI no Ceará no ano passado ficou em 15.3.

Por sua vez, a coordenadora estadual da Pastoral, informa que em 1985 a taxa de desnutrição infantil no Ceará era de 30% e que atualmente caiu para 4% entre meninos e meninas acompanhadas pelos líderes.

Missões:
Hoje, para desenvolver suas inúmeras missões, a Pastoral da Criança no Ceará dispõe de cinco mil voluntários, dos quais dois mil dedicam-se às comunidades assistidas em Fortaleza. "Eles passam por uma capacitação de 52 horas", explica Marister Guimarães, acrescentando que os voluntários estudam com afinco os ensinamentos do Guia do Líder, livro que traz ensinamentos sobre temas como gestação, pré-natal, amamentação, desenvolvimento do recém-nascido, alimentação, higiene, diarreia e desidratação, dentre outros.

Com base nessa formação, o líder é preparado para atender até 15 crianças e participar da Celebração da Vida, momento considerado ponto alto da atuação da Pastoral e que acontece uma vez por mês. A celebração envolve uma série de prestação de serviços, como pesagem das crianças, brincadeiras, lanches, palestras, orientações sobre saúde e comportamento, bem como evangelização.

"Esse dia para nós é o momento da partilha, do encontro, da escuta e da troca de saberes", diz Marister, adiantando que a formação da família é uma das metas. "Queremos que as pessoas conheçam e sejam promotoras de seus direitos e que vivam em paz", frisou.

Não é à toa que entre os bairros mais pobres das cidades cearenses (e em outras do País), é distribuído com a população um folheto intitulado "10 Mandamentos para a Paz na Família". Com preceitos centrados na palavra de Deus e na fé cristã, ensinam não apenas a amar o próximo, mas também como pais e filhos podem conviver harmoniosamente, pregam o respeito às diferenças e a prática dos bons exemplos.

E como era de se esperar, a educação não ficou de fora. O quarto mandamento recomenda: "Eduque seu filho através da conversa, do carinho e do apoio e tome cuidado: quem bate para ensinar está ensinando a bater".

Fundada no País, há 27 anos, em Florestópolis, Paraná, tendo à frente Dona Zilda Arns, a Pastoral da Criança ficou nacionalmente conhecida por salvar vidas com o uso do soro caseiro e da multimistura. "Éramos também chamados de Pastoral do Iprede", relembra a fundadora da instituição no Ceará, Maria Moreira de Sousa, ou irmã Metilde, nome que recebeu ao ingressar na Congregação do Coração Imaculada de Maria.

Apesar da associação ao Instituto de Promoção da Nutrição e do Desenvolvimento Humano (Iprede), no começo havia descrédito em relação ao alcance do trabalho em bolsões de miséria, queixa-se irmã Metilde.

COMUNIDADES:
Famílias são orientadas sobre alimentação e saúde.

"Naquele tempo era enorme a mortalidade infantil no Ceará", recorda irmã Metilde, depondo que a instituição que ajudou a criar e dirigiu ao longo de 20 anos foi determinante para garantir o direito à vida de inúmeras crianças. Recolhida à vida religiosa e afastada de suas atividades devido a problemas de saúde, não pôde, ontem, comparecer à Câmara Municipal para ser homenageada no aniversário de 25 anos da Pastoral.

Com a voz pausada e embargada pela emoção sentida ao rememorar o trabalho pela criação da Pastoral, confessou que desde a juventude sentia-se inclinada a realizar trabalhos sociais. Sua meta, disse, era salvar as crianças mais necessitadas.

Ao ser interrogada sobre seus sentimentos e recordações das crianças que ajudou assistir, respondeu sem conseguir conter a emoção e as lágrimas: "São como se fossem meus filhos".

Também para ela é difícil conter a emoção ao recordar Dona Zilda Arns, a fundadora da Pastoral da Criança no País. D. Zilda foi uma amiga que a visitava e com quem mantinha longos diálogos sempre que a sulista vinha ao Ceará. "Muitas vidas foram salvas e muito ainda será feito", frisou a cearense que, então com 49 anos, iniciou a trajetória da Pastoral no Ceará.

Hoje, a coordenadora nacional da Pastoral é irmã Vera Lúcia Altoé, 54 anos, capixaba, natural de Cachoeiro do Itapemirim. Educadora formada em pedagogia, veio a Fortaleza participar dos festejos. Para a religiosa, coordenar o trabalho de 260 mil voluntários no País é uma oportunidade de gerar vida, sobretudo onde ela se encontra mais fragilizada. Reduzir a mortalidade infantil e a desnutrição ainda são desafios, por continuarem a fazer vítimas principalmente no Norte e Nordeste e nas comunidades indígenas e quilombolas.

Celebração:
O alcance social desse trabalho é vivenciado também por Irene Paiva de Sousa, uma das coordenadora da Pastoral em 34 paróquias. Na Paróquia de São Raimundo, no bairro da Bela Vista, ela e outros voluntários participaram na última segunda-feira da Celebração da Vida. Recém-nascidos e crianças com até seis anos de idade, assim como seus pais, uma vez por mês recebem ali assistência dos líderes.

Campanhas:
Aleitamento materno - O leite materno é um alimento perfeito que Deus colocou à disposição nos primeiros anos de vida. Essa é uma campanha permanentemente da Pastoral da Criança

Certidão de Nascimento - Trabalho busca garantir a cada cidadão o acesso a esse documento e o registro de seu nome

Prevenção da tuberculose, pneumonia e hanseníase - Essas doenças afetam muitas crianças e adultos do País. A Pastoral educa o público sobre sintomas, tratamento e os meios de prevenção desses males

GRATIFICANTE:
Trabalho leva dignidade às crianças pobres.

Todo o trabalho prestado pela Pastoral da Criança às famílias mais pobres vem do voluntariado. Apesar de enaltecer a grande contribuição dada para resgatar o direito à dignidade dessas pessoas, a atual coordenadora da Pastoral, Marister Guimarães, admite que não é tão fácil encontrar quem se doe a uma atividade não remunerada. "Porém, quem participa sabe como é gratificante", ressalta.

Esse também é o sentimento de Célia Porto, que trabalha na sede da instituição, no Centro de Fortaleza. "Ser voluntária foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, pois tenho a oportunidade de compartilhar conhecimentos, experiências, demonstrando às pessoas que temos que ter caridade cristã amando o nosso próximo". Célia desenvolve ações de saúde, nutrição, educação, cidadania e espiritualidade de forma ecumênica nas comunidades, visando promover o desenvolvimento integral das crianças.

MOZARLY ALMEIDA
REPÓRTER

ENTREVISTA

Um dos desafios é aumentar o números de líderes voluntários

Qual a avaliação que a Sra. faz da atuação da Pastoral ao longo desses anos?

A Pastoral da Criança, no Brasil, tem uma experiência de quase 27 anos no cuidado e atenção à saúde das famílias, gestantes, mães e crianças. No estado do Ceará, estamos completando 25 anos de presença e ação solidária junto aos mais necessitados. Ao longo desses anos são várias conquistas que celebramos, e a trajetória da Pastoral da Criança é repleta de histórias de esperança, conquistas, superação das dificuldades e transformação social. O Acompanhamento das famílias e crianças em cada uma das mais de 40 mil comunidade é um exemplo do que a sociedade organizada é capaz de fazer na busca de soluções para os seus problemas. Mais do que crescer e salvar vidas, a Pastoral da Criança quer mudar, para melhor, a vida de crianças, de mulheres e de homens.

Quais são os maiores desafios atuais da Pastoral?

O nosso maior desafio continua sendo atingir todas as crianças pobres. Para isso, necessitamos de mais líderes voluntários, para que o trabalho da Pastoral da Criança possa chegar a todas as comunidades do Brasil. No estado do Ceará, estamos atendendo apenas 9% das crianças pobres, isso significa quase 62 mil crianças, num universo de mais de 670mil crianças pobres no estado. Esse acompanhamento é realizado por pouco mais de cinco mil líderes comunitários. Nosso desafio, não só no Ceará, mas em todo o Brasil, é aumentar o número de líderes voluntários, para ampliar o acompanhamento das crianças.

Quais são os projetos para o futuro e como alcançá-los?

Nossa meta é aumentar o atendimento de crianças e gestantes em todo o Brasil. Além disso, ainda estamos lançando em breve a campanha para a distribuição da primeira dose de antibiótico no ato da consulta. Essa é uma campanha simples. Nos casos em que o médico receitar antibiótico para tratar as doenças respiratórias, que a primeira dose seja oferecida imediatamente, na Unidade Básica de Saúde. Em muitos municípios, a mãe recebe o medicamento na unidade básica, depois da consulta, e só oferece a primeira dose para criança ao chegar em casa, horas mais tarde.

Qual é a recomendação?

A recomendação de dar a primeira dose de antibiótico para crianças entre zero e seis anos logo após a consulta foi feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda em 1996, mas não é cumprida pelos municípios. Por isso a Pastoral da Criança decidiu abraçar a causa para reduzir não apenas a mortalidade infantil, como o número de internações de crianças nessa faixa etária.

Irmã Vera Lúcia Altoé
Coordenadora Nacional da Pastoral.

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