domingo, 29 de agosto de 2010

"CAMPANHA ELEITORAL - Falta um debate mais amplo sobre educação"

Idevaldo Bodião, professor doutor em Educação, alerta que os orçamentos da área devem ser reforçados
BRUNO GOMES

Especialista diz que a proposta dos candidatos ao Governo de criar escolas de educação profissional é insuficiente

A abordagem sobre o tema educação nesta campanha eleitoral tem se resumido às escolas profissionalizantes e, ao mesmo tempo, ignorado assuntos cruciais para o desenvolvimento da área a longo prazo. O entendimento é do professor doutor Idevaldo da Silva Bodião, membro do departamento de Teoria e Prática de Ensino da Faculdade de Educação da UFC. Ele critica a falta de aprofundamento no debate eleitoral em temas como o aumento dos investimentos em educação e a universalização do ensino médio, por exemplo.

O pesquisador aponta que o caminho para o desenvolvimento da educação é, cada vez mais, o incremento nos orçamentos, a vinculação de receitas e o planejamento capaz de fazer os jovens saírem da escola pública alfabetizados e senhores do conteúdo básico que lhes é ensinado, sendo estes alguns dos maiores desafios, na visão dele.

Só vem sendo abordado, até o momento, diz ele, construção de escolas profissionalizantes e isso é um erro. "A educação profissionalizante não é, e não será, uma proposta universalizante. Você não vai ver nenhum dos candidatos dizer que todas as escolas do Estado serão profissionalizantes e de tempo integral", afirma o especialista.

A justificativa que dá para a assertiva é o simples fato de que as escolas profissionalizantes, que a atual gestão promete construir 100 até o fim deste ano, significam um percentual muito pequeno diante do todo de escolas de ensino médio em todo o território cearense. "Falar em educação profissional é se referir à minoria dos estudantes de escolas públicas. E os outros?", questiona, para mostrar que sugerir a criação de escolas profissionais é insuficiente, diante de um universo de ações que devem ser propostas pelos governantes e, antes disso, apresentadas à população na campanha eleitoral.

"Em termos de prédios, as escolas profissionalizantes irão representar um universo entre 15% e 20%. E de alunos o universo é ainda menor", diz Idevaldo Bodião e complementa: "e para os outros alunos, quais são as propostas? Isso nenhum dos candidatos disse ainda", lamentou. "Ai é que entraria a intervenção política, para falar aos alunos que representam o maior contingente".

Mercado

Outro problema apontado, dentro da mesma temática, é que o ensino médio casado com profissional tem o intuito claro de favorecer ao mercado. "A escolha dos cursos de cada escola é feita pela vocação da região e isso é a demanda da indústria".

"Como proposta, ela tem lógica, é interessante. Mas o objetivo primeiro é formar mão de obra, a formação plena dos alunos fica em segundo plano", reitera, para fazer uma ponderação: "o estudante vai se beneficiar? Claro que vai. As instalações são boas, a jornada da escola é muito boa. Beneficiará os alunos? Sim. Mas deixa a formação em segundo plano", avalia.

Bodião aconselha que o foco principal deve ser em efetivar a educação como um direito. "O que temos feito até agora, e isso não é pouco, é ampliado o acesso à escola, o número de matrículas. No entanto, os nossos jovens e crianças vão à escola e não aprendem. Esta é a grande dívida. Qualquer candidato que se apresente como alguém que vai mexer na bandeira mais relevante da educação é efetivar a educação como um direito", enfatiza o especialista.

Ele reconhece que atingir essa meta é uma missão complicada, que não cabe em uma inserção de televisão no horário eleitoral. Mas as diretrizes precisam ser explicitadas. "Uma das coisas essenciais é a questão orçamentária. E eu ainda não vi ninguém dizer que vai botar mais dinheiro na educação (destinar um percentual permanente do orçamento, maior do que 25%, para a área)".

Receitas

A meta definida no plano nacional é que até o fim de 2014, a educação esteja consumindo, em termos de recursos, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Isso significa que os governos estaduais e municipais teriam que investir pelo menos 30% de suas receitas em educação. Hoje, isso é 25%", alertou, ao assegurar que isso poderia já começar a ser compromisso dos candidatos. Mesmo assim, ele avalia que a vinculação de recursos para a educação em 25% foi positiva e possibilitou avanços até agora.

Um outro passo, que está ausente da discussão eleitoral, é a dificuldade de se encontrar professores para algumas áreas do ensino como física e química. Como a meta estabelecida para os próximos anos é a univer-salização do ensino médio, esta carência, aponta Idevaldo, vai se potencializar se não houver uma política voltada para a valorização da docência, sobretudo nestas áreas mais carentes.

"Você vê em outros países, mais desenvolvidos, a valorização da profissão e o rigor com que os professores são capacitados até chegar à sala de aula. Aqui é justamente o contrário", lamentou. Neste sentido, um dos grandes avanços conseguidos pela categoria foi a aprovação da lei do piso salarial dos professores que engloba um conjunto de obrigações necessárias à valorização dos docentes.

E, segundo ele, mesmo a lei em vigor, ainda há debates sobre a sua plena implantação. "A lei não é só o valor pago pelo salário. É, principalmente, a reorganização do trabalho. O professor precisa de tempo para planejar aulas, propor novos trabalhos e dar qualidade ao ensino. E isso está sendo discutido na justiça", lamentou.

INÁCIO AGUIAR
REPÓRTER DN.

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